Supostos crimes de Lula na Lava Jato podem prescrever? O que dizem juristas

0
323
O ex-presidente Lula, em 2016 — Foto: SÉRGIO CASTRO/ESTADÃO CONTEÚDO

Os supostos crimes do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva denunciados pela Operação Lava Jato no Paraná podem começar a prescrever a partir de janeiro de 2022, após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin anular as condenações de Lula em processos da Operação Lava Jato na Justiça Federal do Paraná, segundo juristas ouvidos.

Mas os especialistas alertam que existem diferentes entendimentos sobre o tema, e que a contagem dos prazos de prescrição pode variar, a depender da decisão da Justiça do Distrito Federal, que ainda não saiu, de retomar os processos.

Segundo a decisão, Fachin declarou a incompetência da Justiça Federal do Paraná para julgar quatro ações contra o ex-presidente, por entender que os casos não tinham relação com a Petrobras.

Nos quatro processos, Lula foi denunciado pelos crimes de lavagem de dinheiro, que podem prescrever em até 16 anos. Em três deles, foi denunciado por corrupção passiva majorada, que pode prescrever em até 20 anos. Como o ex-presidente tem mais de 70 anos, o prazo para prescrição cai pela metade, para 8 e 10 anos, respectivamente.

Levando-se em conta todas as denúncias apresentadas contra Lula na Lava Jato do Paraná, os crimes mais antigos (de corrupção) foram supostamente aconteceram até janeiro de 2012 – com prescrição, portanto, a partir de janeiro de 2022.

Os crimes de lavagem de dinheiro supostamente foram praticados até 2014 ou 2016, dependendo do processo. Nesses casos, os crimes poderiam prescrever, respectivamente, a partir de março de 2022 ou 2024.

Crimes denunciados pelo MPF

Triplex do Guarujá

  • Crimes de corrupção passiva, supostamente cometidos entre outubro de 2006 e 23 de janeiro de 2012.
  • Crimes de lavagem de dinheiro referente à aquisição e reformas do sítio, supostamente cometidos entre 8 de outubro de 2009 e 14 de setembro de 2016 (data da apresentação da denúncia).
  • Crimes de lavagem de dinheiro referentes ao armazenamento do acervo presidencial, supostamente cometidos entre 1º de janeiro de 2011 e 16 de janeiro de 2016.

Sítio de Atibaia

  • Crimes de corrupção passiva, supostamente cometidos entre 14 de maio de 2004 e 23 de janeiro de 2012.
  • Crimes de lavagem de dinheiro, supostamente cometidos entre outubro de 2010 e 28 de agosto de 2014.

Terreno do Instituto Lula

  • Crimes de corrupção passiva, supostamente cometidos entre 25 de novembro de 2004 e 23 de janeiro de 2012
  • Crimes de lavagem de dinheiro, supostamente cometidos entre fevereiro de 2010 e 30 de maio de 2014

Doações ao Instituto Lula

  • Crimes de lavagem de dinheiro, supostamente cometidos entre 16 de dezembro de 2013 e 31 de março de 2014.

Prescrição pode variar

De acordo com o professor de Direito Processual Penal da Academia Brasileira de Direito Constitucional, João Rafael de Oliveira, como houve a declaração de nulidade, o entendimento mais comum no direito é que valem os prazos a partir da data dos crimes denunciados.

No entanto, existem casos de interpretações divergentes.

“Há casos de entendimento do STJ, por exemplo, que a declaração de incompetência territorial não afeta a interrupção da prescrição do juízo, então os prazos poderiam contar a partir do recebimento da denúncia pela Justiça Federal do Paraná. Essa é uma discussão que ainda vai acontecer”, afirmou Oliveira.

Se for este o entendimento, os prazos para prescrição neste caso, a contagem de 10 anos passa a valer a partir das datas em que a Justiça Federal do Paraná recebeu cada uma das denúncias.

As denúncias foram aceitas nas seguintes datas:

  • Triplex do Guarujá: 20 de setembro de 2016
  • Sítio de Atibaia: 1º de agosto de 2017
  • Terreno do Instituto Lula: 19 de dezembro de 2016
  • Doações ao Instituto Lula: 23 de outubro de 2020

Por outro lado, o advogado criminalista e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais Felipe Moraes explicou que caso algum dos crimes denunciados tenha prescrito, o ex-presidente não poderá mais responder pelo fato, mesmo que a Justiça Federal de Curitiba tenha recebido a denúncia anteriormente.

“A denúncia recebida interrompe a contagem da prescrição. Só que nesta decisão, como houve a anulação também desse ato, só vai ser considerado no futuro um novo recebimento da denúncia, com o juiz em Brasília”, afirmou.

Além disso, o prazo para início do cálculo de prescrição penal pode depender da interpretação do juiz, principalmente em casos onde investigado responde mais de uma vez pelo mesmo tipo crime.

“Se for entendido que é um crime continuado, marcados no tempo, a data seria verificada pela última do crime. Agora, se ele praticou um crime idêntico, mas um aconteceu em 2008 e outro só em lá 2010, aí podem ser situações distintas, com penas autônomas”, disse Moraes.

Segundo o professor de Direito Penal da PUC-PR Guilherme Rodolfo Rittel, parte dos processos que correram em Curitiba podem ser aproveitados, mas, mesmo assim, os prazos podem estar prescritos no momento da aceitação da denúncia.

“Eventualmente algumas provas eles podem tentar aproveitar, mas os atos decisórios estão anulados”, afirmou.

Veja, abaixo, quais são as denúncias:

Triplex no Guarujá

No caso do triplex do Guarujá, Lula foi condenado pelo então juiz Sergio Moro a 9 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá, em julho de 2017.

Lula foi condenado pela ocultação da propriedade de uma cobertura em Guarujá, no litoral paulista, recebida como propina da empreiteira OAS, em troca de favores na Petrobras.

Na sentença, Moro citou documentos e depoimentos que comprovaram que apartamento no litoral de SP era destinado ao ex-presidente. O documento disse ainda que havia “provas documentais” e que Lula “faltou com a verdade”.

Sítio de Atibaia

Lula foi denunciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em um esquema que envolve um sítio em Atibaia, no interior de São Paulo. A denúncia foi feita pelo MPF em maio de 2017.

De acordo com as investigações, o ex-presidente seria dono de um sítio que está em nome de outra pessoa. Além disso, o MPF afirma que a propriedade foi reformada com dinheiro de propinas vindas de empresas, beneficiando Lula.

A Justiça condenou o ex-presidente a 12 anos e 11 meses de prisão pelos crimes, em fevereiro de 2019. À época, a Justiça disse que ficou comprovado que Lula tinha ciência das obras e que a família do ex-presidente era frequentadora assídua do imóvel.

Terreno do Instituto Lula

O MPF denunciou Lula, em dezembro de 2016, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. À época, os promotores afirmaram que o ex-presidente usou dinheiro de propina nas compras de um terreno para a construção da nova sede do Instituto Lula e de um imóvel vizinho ao apartamento do ex-presidente.

Conforme a denúncia, parte do dinheiro para compra do terreno foi obtido por meio de propinas desviadas da Petrobras e repassados a partidos e agentes políticos que apoiavam o governo Lula.

Em contrapartida, o ex-presidente agia em favor de interesses econômicos de uma empresa investigada no esquema.

O caso aguarda julgamento.

Doações ao instituto

Em outubro de 2020, Lula se tornou novamente réu por lavagem de dinheiro em uma denúncia que apura doações de uma empresa ao Instituto Lula. Segundo o MPF, os repasses tiveram como origem crimes praticados contra a Petrobras.

Ao todo, a investigação aponta que o Instituto Lula recebeu R$ 4 milhões em doações vindos de um crédito de propinas pagos pela empresa por conta de contratos fraudados da estatal.

O MPF disse que os repasses foram feitos em forma de doação para disfarçar que se tratava de um ato ilegal.

Em dezembro, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) suspendeu a tramitação do processo após um pedido da defesa que solicitou ter acesso integral a todos os documentos usados para basear a denúncia.

Ainda não há decisão em 1ª instância sobre o caso.

Decisão de Fachin

A decisão do ministro Edson Fachin atende a um pedido de habeas corpus feito pala defesa do ex-presidente, em novembro de 2020. Com a decisão, Lula recupera os direitos políticos e volta a ser elegível.

Segundo o ministro, a 13ª Vara Federal de Curitiba, cujo titular na ocasião das condenações era o ex-juiz federal Sergio Moro, não era o “juiz natural” dos casos.

“Foram declaradas nulas todas as decisões proferidas pela 13ª Vara Federal de Curitiba e determinada a remessa dos respectivos autos para à Seção Judiciária do Distrito Federal”, diz a nota do gabinete do ministro.

Ainda na segunda-feira, a Justiça Federal de Curitiba afirmou que iria cumprir a determinação do STF, enviando os processos para Brasília.

A determinação do STF foi anexada aos quatro processos citados no documento, sendo três às 16h53 de segunda-feira, e um às 11h44 desta terça-feira (9).

A decisão de Fachin não precisa de referendo do plenário do STF, exceto se o próprio ministro remeter o caso para julgamento dos demais.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) disse que vai recorrer da decisão. Sendo assim, se o recurso for protocolado, o plenário do STF terá que julgar o caso.

G1 procurou a assessoria do ex-juiz Sergio Moro e não havia obtido retorno até a última atualização desta reportagem.

O MPF informou que não vai se manifestar sobre o assunto.

A sede do Supremo Tribunal Federal, em Brasília — Foto: STF/Dorivan Marinho

A sede do Supremo Tribunal Federal, em Brasília — Foto: STF/Dorivan Marinho

O que diz a defesa de Lula

Por meio de nota publicada após a decisão do STF, os advogados de defesa do ex-presidente Lula afirmaram que receberam a notícia “com serenidade” e que sustentaram a incompetência da Justiça Federal de Curitiba para julgar os processos “desde a primeira manifestação”.

“A decisão, portanto, está em sintonia com tudo o que sustentamos há mais de 5 anos na condução dos processos. Mas ela não tem o condão de reparar os danos irremediáveis causados pelo ex-juiz Sergio Moro e pelos procuradores da “lava jato” ao ex-presidente Lula, ao Sistema de Justiça e ao Estado Democrático de Direito”, conclui a nota.

O ex-presidente Lula, em 2016 — Foto: SÉRGIO CASTRO/ESTADÃO CONTEÚDO

O ex-presidente Lula, em 2016 — Foto: SÉRGIO CASTRO/ESTADÃO CONTEÚDO

G1PR

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.