Diário da Covid-19: Após um ano de pandemia, Brasil registra mais de uma morte por minuto

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People walk in front of a banner that reads 'Brazil in the ICU (intensive care unit), BolsoOverpriced' in reference to Brazilian president Jair Bolsonaro and the high prices of basic goods during the outbreak of the coronavirus disease (COVID-19) in Sao Paulo, Brazil March 9, 2021. (Photo by Cris Faga/NurPhoto) (Photo by Cris Faga / NurPhoto / NurPhoto via AFP)

No ritmo atual, país chegará a 300 mil mortes até o final de março e pode alcançar a triste marca de meio milhão de óbitos em setembro

As primeiras infecções do novo coronavírus foram identificadas no final de 2019, mas somente no dia 11 de março de 2020 a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que o mundo enfrentava uma emergência sanitária e elevou a classificação da “COrona VIrus Disease” para o nível de pandemia da covid-19. Naquela data os registros mundiais indicavam 150 mil pessoas infectadas e 4,6 mil vidas perdidas para o SARS-CoV-2. Um ano depois os montantes globais estão na casa de 118 milhões de casos e 2,6 milhões de mortes.

No território brasileiro já são mais de 11 milhões de casos e mais de 270 mil mortes. O país deve ultrapassar a Índia até o dia 12/03, assumindo o 2º lugar no ranking global tanto em número acumulado de casos, quanto de mortes. O Brasil assumiu o epicentro da pandemia global no mês de março de 2021, pois, com 2,7% da população mundial, tem apresentado uma média móvel de casos e de mortes por volta de 18% do total internacional. Na atual semana o Brasil ultrapassou os números americanos em termos absolutos. Nos 10 primeiros dias de março de 2021 – com 14.440 minutos (24 horas x 60 minutos x 10 dias) – foram registradas 15.714 vidas perdidas. Isto representa mais de uma morte por minuto durante todos os dias do atual mês.

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Por conta desta situação dramática se diz que o Brasil é o “último pandêmico”, pois é o único dos grandes países do mundo que apresenta tendência significativa de alta da pandemia, estando na contramão da conjuntura global. No ritmo dos últimos 10 dias, o Brasil deve ultrapassar 2 milhões de casos e 50 mil mortes somente no mês de março, superando de maneira contrastante, por exemplo, com a Indonésia (país de 275 milhões de habitantes) que tem acumulado 1,4 milhões de casos e 38 mil mortes durante toda a pandemia.

Entre os 6 países mais impactados pela covid-19, o Brasil tem os maiores coeficientes diários de casos e mortes. O gráfico abaixo, do jornal Financial Times, mostra o coeficiente diário de casos (por 100 mil habitantes) entre 01/07/2020 a 08/03/2021 e o Brasil aparece com valores acima dos correspondentes nos EUA, Reino Unido, Rússia, México e Índia.

O gráfico seguinte, também do jornal Financial Times, mostra o coeficiente diário de mortes (por 100 mil) entre 01/07/2020 a 08/03/2021 e, igualmente, o Brasil aparece com valores acima dos correspondentes do México, EUA, Reino Unido, Rússia e Índia.

Para conter a pandemia, além das medidas conhecidas de prevenção, o mundo tem avançado no processo de imunização e já foram aplicadas (1ª e 2ª doses) 319 milhões de vacinas, sendo 93,7 milhões nos EUA, 24,4 milhões na Índia, 23,8 milhões no Reino Unido, 11,4 milhões no Brasil, 6,7 milhões na Rússia e 3,1 milhões no México. Entre os 6 países mais impactados pela pandemia, em termos percentuais, a vacinação está mais avançada no Reino Unido e nos EUA e caminhando a passos de tartaruga nos demais. Mas o atraso da vacinação é mais grave no Brasil, pois, entre os países do topo do ranking, é o único que apresenta viés de alta de casos e de mortes. Por exemplo, a média de mortes da Índia está em torno de 101 óbitos diários e a do Brasil está em 1.626 óbitos diários (16 vezes mais mortes diárias, embora o Brasil tenha uma população cerca de 7 vezes menor do que a da Índia).

O Brasil vive o pior momento da pandemia. Além de ser berço da variante P1, o descontrole da transmissão do vírus e a lentidão do processo de vacinação abrem espaço para o surgimento de novas cepas e mutações do SARS-CoV-2. Em consequência, o país é considerado um celeiro de novas variantes e uma ameaça ao controle da covid-19 em todo o mundo. O Brasil está se tornando um “covidário”.

Mas em meio à dramaticidade da situação, no dia 02/03, o presidente Jair Bolsonaro enviou uma comitiva de dez pessoas, chefiada pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, para Israel em busca de um spray que ele afirmou não saber o que é, mas que “parece um produto milagroso”. A despeito do despropósito e do alto custo da viagem, o melhor saldo da missão foi que a delegação brasileira foi obrigada a usar máscaras faciais em Israel e o professor Ronni Gamzu, CEO do Centro Médico Sourasky, afirmou que drogas antivirais como o spray são importantes, mas nada supera a vacinação em massa como arma contra a pandemia. Sem muitas alternativas e reconhecendo que a campanha nacional de imunização está “devagar, quase parando”, o Ministério da Saúde submeteu uma carta ao embaixador da China em Brasília (aquele que foi criticado anteriormente por membros do governo) pedindo que ele interceda junto à estatal Sinopharm para liberar 30 milhões de doses de seu imunizante. Desta forma, a cúpula do Executivo Federal parece transitar entre o ridículo e o desespero, no instante em que o país bate tristes recordes sucessivos de casos e mortes da covid-19. Como disse o jornalista Jamil Chade, o Brasil oscicla entre ser pária internacional e ameaça global.

O panorama nacional

Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil registrou 79.876 pessoas infectadas e teve o recorde absoluto de assombrosas 2.286 vidas perdidas em 24 horas. Os números acumulados chegaram a 11,2 milhões de casos e 270,7 mil mortes, com uma taxa de letalidade de 2,4%, no dia 10 de março de 2021. O gráfico abaixo mostra a distribuição do número diário de casos da covid-19 desde 01/03/2020 até 10/03/2021 e a média móvel de 7 dias. O pico da 1ª onda ocorreu em julho de 2020 com média de 46 mil casos diários. A segunda onda está em pleno avanço e a média móvel do dia 10/03 ficou em impressionantes 69,1 mil casos em 24 horas. Desta forma, o Brasil assumirá, no dia 12/03/2021, o segundo lugar no ranking global de casos, atrás apenas dos EUA.

O gráfico abaixo, mostra que o cume do número diário de óbitos da 2ª onda já é muito maior do que no pico da 1ª onda. No platô anterior, o Brasil manteve uma média de 1.001 mortes diárias nos 92 dias de junho a agosto de 2020. Nos primeiros 69 dias de 2021 ocorreram 75,7 mil mortes, com média de 1.097 óbitos diários. Mas o recorde geral ocorreu no dia 10 de março com mais de 2 mil mortes em 24 horas e uma média móvel de 7 dias de 1.626 vítimas fatais. Neste ritmo, o Brasil vai atingir 300 mil mortes até o final de março e pode alcançar 500 mil mortes acumuladas até o mês de setembro de 2021.

O gráfico abaixo mostra os números diários de casos e de mortes da covid-19 no Brasil entre 29/03/2020 e 10/03/2021. Nota-se que todas as baixas acontecem nos fins de semana e as elevações nos dias úteis, mas as linhas (pontilhadas) do ajuste polinomial de terceiro grau apresentam uma suavização das oscilações sazonais. As curvas epidemiológicas estavam subindo no primeiro semestre de 2020 e atingiram um pico em junho e julho. Nos meses seguintes houve queda do número de casos e de mortes. Em novembro, teve início a 2ª onda e as curvas passaram a apresentar uma tendência de alta até o pico mais elevado no dia 10 de março. As projeções do ajuste polinomial indicam que os valores diários de casos e mortes devem bater novos recordes ainda mais dramáticos até meados de março de 2021.

O panorama global

No dia 10 de março de 2021, o mundo atingiu 118 milhões de pessoas infectadas e 2,6 milhões de vidas perdidas pela covid-19, com taxa de letalidade de 2,2%, segundo o site Our World in Data, com base nos dos dados da Universidade Johns Hopkins.

O gráfico abaixo, mostra o número diário de casos da covid-19 e a média móvel de 7 dias entre 01 de fevereiro de 2020 e 10 de março de 2021. Nota-se que o crescimento foi contínuo durante o ano passado, com uma aceleração em outubro até o pico de cerca de 650 mil casos em média no dia 22 de dezembro, uma pequena redução no final de dezembro e uma nova subida em janeiro de 2021 com o recorde de cerca de 740 mil casos diários em média no dia 11 de janeiro. Mas a partir de meados de janeiro a média móvel caiu rapidamente e chegou a 360 mil casos no dia 20/02. Pela primeira vez a média global de casos foi reduzida quase pela metade. Nas últimas semanas a média de casos globais subiu ligeiramente e o aumento dos casos no Brasil contribuiu para interromper a queda mundial.

O gráfico abaixo, mostra o número diário de óbitos da covid-19 e a média móvel de 7 dias entre 01 de fevereiro de 2020 e 10 de março de 2021. Nota-se que a média móvel apresentou um pico de cerca de 7 mil óbitos diários no dia 15/04, uma queda nos meses seguintes até o valor perto de 5 mil óbitos em 15/10 e uma nova subida até o pico de quase 12 mil óbitos diários na véspera do Natal. Os valores caíram no final de dezembro e voltaram a subir em janeiro, quando marcou um novo pico no dia 26/01 com uma média de cerca de 14,3 mil óbitos diários. Em fevereiro os números caíram e atingiram uma média de pouco menos de 10 mil óbitos diários. Em março a média móvel continuou caindo e está um pouco acima de 8 mil óbitos diários no dia 10/03.

O gráfico abaixo mostra os números diários de casos e de mortes da covid-19 no mundo entre 01/04/2020 e 10/03/2021. Nota-se que também neste nível as baixas acontecem nos fins de semana e as elevações nos dias úteis, mas as linhas (pontilhadas) do ajuste polinomial de terceiro grau apresentam uma suavização das oscilações sazonais. A curva epidemiológica de casos subiu continuamente – mesmo que em ritmos diferenciados – durante todo o ano de 2020 e atingiu o pico em meados de janeiro de 2021. Mas desde então os números estão caindo. Já a curva epidemiológica de mortes apresentou um pico em abril de 2020, caiu nos meses seguintes e voltou a subir a partir de outubro com o pico da 2ª onda no final de janeiro de 2021. Mas em fevereiro e março os números globais de óbitos estão em queda. As projeções do ajuste polinomial indicam que os valores diários de casos e mortes, ao contrário do Brasil, apresentam tendência de diminuição no restante do mês de março.

O impacto da covid-19 sobre a pobreza na América Latina

A pobreza vinha caindo no mundo entre 1990 e 2015, mas interrompeu a queda no último quinquênio. Em 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou os 17 pontos dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). O objetivo número 1, visa a Erradicação da Pobreza, estabelecendo: “Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares até 2030”.

A América Latina e Caribe (ALC) também estava vencendo a pobreza, como mostra o gráfico abaixo, publicado em março de 2021, no relatório “Panorama Social de América Latina 2020”, pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Nota-se que 51,2% da população da região estava em situação de pobreza em 1990 e caiu para o mínimo de 28,6% em 2013, porém, voltou a subir ligeiramente nos anos seguintes e deu um pulo para 33,7% em 2020 em função da pandemia da covid-19. A pobreza extrema estava em 15,5% em 1990 e caiu para 7,8% em 2014, mas também voltou a crescer nos anos seguintes e chegou a 12,5% em 2020.

O painel B do gráfico mostra os números absolutos e indica que o número de latino-americanos em situação de pobreza passou de 212 milhões de pessoas em 1990, para 229 milhões em 2002, caiu para o mínimo de 164 milhões de pessoas em 2012 e voltou a subir para 209 milhões em 2020. O número de latino-americanos em situação de extrema pobreza estava na casa de 60 milhões de pessoas entre 1990 a 2002 caiu para cerca de 45 milhões entre 2006 e 2014, mas voltou a subir para 78 milhões em 2020.

O impacto da pandemia é evidente, pois a pobreza e a extrema pobreza em 2020 passaram a ser maiores do que em 2010. Ou seja, a ALC teve uma década perdida na redução do número de pobres e dificilmente a região conseguirá eliminar a pobreza extrema até 2030, como estabelecido no objetivo 1 dos ODS. As medidas de auxílio emergencial são importantes no momento para aliviar os efeitos da recessão, mas, em geral, são medidas paliativas e somente o Pleno Emprego e o Trabalho Decente poderão colocar o país na trajetória do progresso e do bem-estar (Alves, 19/02/2021)

A situação do Brasil é especialmente dramática, pois teve a pior década perdida da sua história, entre 2011-20, tanto em termos econômicos, como em termos sociais na mitigação da pobreza e da fome. A pandemia da covid-19 agravou a situação. Se o Brasil sofreu muito no ano passado, tudo indica que vai ter um quadro ainda mais dramático no corrente ano, pois tendo atingido 7,7 milhões de casos e 195 mil mortes no dia 31 de dezembro de 2020, pode alcançar montantes de 2 a 3 vezes maiores até 31 de dezembro de 2021. Não precisava ser assim. Mas erros reiterados desaguaram na maior média móvel mundial de casos e de mortes ocorrida no dia em que o mundo marcou um ano da pandemia. Os números da doença em março, se não forem rapidamente revertidos, configuram um péssimo presságio para o restante do ano de 2021 no Brasil.

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