O advogado e suplente de senador, Danny Fabrício Cabral Gomes, fala do arrependimento de ter trabalhado pela eleição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). “A todos eu dizia e escrevia que a mudança era necessária e que o ‘messias’ estava chegando para impedir o apocalipse causado pela esquerda”, afirma. Relembrando frase de Fernando Henrique Cardoso, pede que “esqueçam o que eu escrevi”.
“Bolsonaro na verdade é um divisionista, um flagelo, um falso messias, e como tal deve ser conhecido e reconhecido por nossa triste história”, lamenta. Em seguida, Fabrício justifica a mudança: “Dizendo-se conservador nos costumes e liberal na economia, mentiu à nação, revelando-se tolerante com costumes não republicanos e incapaz de promover a reforma política-tributária e de privatizar as estatais, tendo interferido de forma temerária na gestão e estratégia de empresas como Banco do Brasil e Petrobrás, erodindo o valor de mercado das companhias, e causando desconfiança no mercado com um comportamento econômico que certamente poderia ser atribuído a um presidente ideologicamente esquerdista”, ressalta.
Georges Benjamin Clemenceau (1841-1929), médico, senador e primeiro-ministro da França por dois mandatos (1906-1909 e 1917-1920) tem a si atribuídos diversos aforismos, dentre os quais: “Um homem que não seja um socialista aos 20 anos não tem coração. Um homem que ainda seja um socialista aos 40 não tem cabeça.”
Nunca fui socialista, pelo contrário. Em 2018 trabalhei duramente pela eleição de Jair Messias Bolsonaro e pela minha. Bolsonaro foi eleito presidente da República e eu suplente de Senador. Pedi voto a todos os amigos, parentes, conhecidos e desconhecidos nas ruas e nas redes sociais. Era imperativo na época (e ainda é), impedir a recondução de uma cleptocracia nefasta que por uma década e meia sangrou os cofres da nação em um gigantesco e sofisticado esquema de corrupção com tentáculos em todas as esferas do Poder Público. A todos eu dizia e escrevia que a mudança era necessária e que o “messias” estava chegando para impedir o apocalipse causado pela esquerda. Mas como supostamente disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003): “Esqueçam o que eu escrevi.”
Bolsonaro na verdade é um divisionista, um flagelo, um falso messias, e como tal deve ser conhecido e reconhecido por nossa triste história. Dizendo-se conservador nos costumes e liberal na economia, mentiu à nação, revelando-se tolerante com costumes não republicanos e incapaz de promover a reforma política-tributária e de privatizar as estatais, tendo interferido de forma temerária na gestão e estratégia de empresas como Banco do Brasil e Petrobrás, erodindo o valor de mercado das companhias, e causando desconfiança no mercado com um comportamento econômico que certamente poderia ser atribuído a um presidente ideologicamente esquerdista.
Como se não bastasse, aparelhou os quadros da máquina estatal civil com milhares de militares, que inexplicavelmente foram desviados de suas funções originais nas Forças Armadas (reconhecidas internacionalmente por seu profissionalismo), expurgando ministros que ousaram ter opinião diversa da sua, cercando-se de coadjutores subservientes cujas declarações públicas, ações e omissões têm sido desastrosas para o Brasil em áreas sensíveis como saúde, meio-ambiente, economia e relações exteriores.
Como consequência do servilismo de seus acólitos e da incompetência de sua desastrosa gestão Bolsonaro conseguiu entregar resultados decepcionantes em todos os cenários. A cotação do dólar está próxima dos R$ 6,00, o IGP-M de 2020 superou os 20% impactando pesadamente o custo da moradia, os preços dos combustíveis e dos alimentos sofreram reajustes jamais vistos desde a implementação do Plano Real, trazendo de volta os fantasmas da inflação e da carestia.
Clemenceau dizia que “A vida precisa de uma parte de absurdo para se tornar suportável”, mas os absurdos ditos e feitos por Bolsonaro diariamente têm tornado insuportável a vida dos brasileiros.
No âmbito das relações exteriores, seu chanceler se jacta das vantagens de o Brasil ter se tornado um pária internacional, um “anão diplomático”. O desgoverno atrasou contribuições em importantes organismos multilaterais fazendo com que o país tivesse a imagem seriamente desgastada, além de correr o risco de ver suspenso seu direito de voto. A política externa de Bolsonaro trouxe desconforto a parceiros estratégicos como a Argentina e Índia e ainda gerou conflitos absolutamente desnecessários com os Estados Unidos e a China, nações das quais temos clara dependência, sendo-nos vital a manutenção de uma parceria diplomática, econômica e tecnológica com as maiores economias do mundo, negligenciadas por Bolsonaro.
Ao permitir que o gabinete do ódio chamasse o coronavírus de “vírus chinês”, recusar-se incialmente a comprar a vacina chinesa em razão de sua origem e ao tardar demasiadamente para cumprimentar o presidente americano eleito, Bolsonaro não demonstrou apenas descortesia e despreparo, mas também irresponsabilidade, pois num mundo geopoliticamente intricado e interdependente é essencial a habilidade política e diplomática. Mas como esperar cortesia de um homem que insiste em ignorar publicamente a memória de 300.000 mortos, e é responsável por uma condução errática e grotesca da pandemia, fazendo com que o Brasil brigue pela triste liderança mundial no número de vítimas?
O Brasil e os brasileiros sempre foram conhecidos internacionalmente por sua criatividade e alegria, e, em que pese as nossas mazelas éramos bem-vindos em todo o globo. Hoje, em razão da desastrada condução da pandemia, somos barrados em quase todos os aeroportos do mundo e nos tornamos um país de sepulturas e desilusão. Enquanto Clemenceau dizia “Os cemitérios estão cheios de pessoas insubstituíveis”, Bolsonaro vocifera: “Chega de frescura, de mimimi”. Bolsonaro não está nem aí para os vivos, quanto mais para os mortos.
Ao invés de exercer uma política de parceria e integração estratégica com prefeitos, governadores e com os laboratórios farmacêuticos para o enfrentamento da pandemia, Bolsonaro desagrega, desinforma, flerta com a ditadura e nos ameaça vergonhosamente com a instalação de um Estado de Sítio ou de um Estado de Defesa, certamente concordando com outra frase de Clemenceau: “A Democracia? Vocês sabem o que é? É o poder de os piolhos comerem os leões.”
Bolsonaro concedeu entrevista à rede britânica BBC defendendo as milícias e desde que assumiu a presidência tripudia dos direitos humanos, da democracia, das instituições e dos demais poderes instituídos, sem receber uma reprimenda pública e contundente aos seus excessos extremistas. Mais uma vez, se faz necessário lembrar da lição de Clemenceau, que dizia: “Toda tolerância se torna, com o tempo, um direito adquirido”.
Enquanto a Amazônia e o Pantanal ardiam em chamas, “Bolsonero” não tocava harpa, tocava o terror, negando o inescondível extermínio ambiental e ameaçando a democracia enquanto os aparelhos de Estado reprimem o direito de opinião, abrindo inquéritos com fulcro na Lei de Segurança Nacional contra quem ousa discordar de seu inepto desgoverno, responsável pelo maior empobrecimento dos brasileiros nesse século, e fecundando o que pode ser o ovo da serpente.
Eleito com o mote “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, adaptado do brado da tropa paraquedista do exército brasileiro, e com a utilização do versículo bíblico “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (João 8:32), Bolsonaro capturou a orfandade de milhões de brasileiros que ansiavam por um país ordeiro, sem corrupção e norteado em valores judaico-cristãos, seguidos pela maioria da população, mas como disse Shakespeare, em O Mercador de Veneza, “O diabo pode citar as escrituras quando isso lhe convém”.
Com efeito, as ações de Bolsonaro após assumir o poder mais lembram os ensinamentos de Aleister Crowley, perverso feiticeiro inglês que se autodenominou “A Grande Besta 666” e cujo lema era: “Faze o que tu queres, há de ser tudo da Lei”. A máxima do ocultista não era muito diferente da do ex-presidente Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), responsável pelo período mais violento da ditadura militar brasileira e que disse: “Eu tinha o AI-5, podia tudo”.
Não tenho certeza se Bolsonaro conhece Shakespeare ou Aleister Crowley, mas com certeza conhece Médici, tanto é que já o homenageou publicamente.
Bolsonaro acredita firmemente que para ele tudo é permitido. Se ajoelha em templos evangélicos, mas quando em pé, prega a desunião entre brasileiros e a desobediência sanitária. Hoje convivemos com a peste, a fome e a morte, sendo que Bolsonaro flerta abertamente com a guerra, o que nos completaria os quatro cavaleiros do apocalipse, para a vergonha mundial e desgraça dos brasileiros.
Bolsonaro acredita que tem direito adquirido a ser reeleito e há muito tempo tece loas às milícias e não vai mudar agora que chegou ao poder. Continuará a ignorar o respeito a valores democráticos e republicanos, bem como a dor absurda de milhões de brasileiros que perderam familiares e entes queridos vítimas de uma pretendida necrocracia, não tendo se afastado um milímetro de suas convicções negacionistas e reacionárias desde o início da pandemia, como se isso fosse uma vantagem, sendo mais uma vez necessário lembrarmos de Clemenceau para quem “O homem absurdo é aquele que nunca muda.”
Se Bolsonaro não vai mudar, faz-se necessária a mudança de opinião e de postura de uma fatia imensa de brasileiros que votou em Bolsonaro (muitos por falta de opção), pois seu desgoverno é um retumbante fracasso. É importante que parcela expressiva da população repense os seus conceitos. Bolsonaro só mudará para pior e se não for imediatamente parado por um processo de impeachment levará o país à ruína, à mortandade e à venezuelização social e econômica.
Entretanto, o – por enquanto – presidente conta com uma seita de fanáticos seguidores, um núcleo duro que mesmo tendo enterrado seus próprios pais, filhos e empresas, mortos ou falidos pela pandemia, insistem nesciamente em negar a ciência médica e as estatísticas, seguindo o “Mito” como lemingues (lemmings), correndo insanamente para o despenhadeiro em razão do efeito manada.
Os lemingues são aqueles simpáticos roedores que habitam o extremo norte do planeta e que são conhecidos pelo mito de que cometeriam suicídio em massa durante suas migrações, atirando-se cegamente nos abismos e morrendo afogados. Não precisamos agir como lemingues, ou bolsolemmings, e nos jogar em precipícios à direita ou à esquerda, pois certamente haverá o seguro caminho do meio, do bom-senso, não fatalmente extremista, não radical.
Não é possível que a nação que brindou a humanidade com Santos-Dumont na ciência, Senna e Pelé nos esportes, Machado de Assis nas letras e Tom Jobim na música não seja capaz de parir um novo Churchill ou Gandhi na política, continuando indefinitivamente a excretar bufões.
Havemos de encontrar entre nós um líder capaz e eficiente, homem ou mulher com sólidos valores éticos, habilidade política, gerencial e espírito democrático para nos resgatar dessa tempestade perfeita, desse apocalíptico inferno astral que fez com que o Brasil despencasse em todos os rankings econômicos e sociais mundiais e caísse até mesmo no ranking de felicidade global, medido por departamentos técnicos das Universidades de Columbia e de Oxford.
O Brasil não precisa de bravatas, ou de que seu presidente ao invés de honrar a memória de seus mortos e levar a seu povo esperança, ordem e progresso, se jacte de sua suposta infalibilidade sexual. Não se sabe (e não nos interessa) se Bolsonaro é “imbrochável”, mas é fato que ele brochou o Brasil, que mais do que nunca precisa de uma liderança competente e eficaz para a nossa reconstrução, e não de um falso messias totalmente desprovido de compaixão, focado apenas na cegueira de seus baixos instintos.
Parafraseando Clemenceau, se após dois anos de desgoverno e demência, você ainda apoiar Bolsonaro, ou você é esperto como um lemingue ou não tem coração.
O Jacaré